segunda-feira, 2 de novembro de 2009

A VIDA É AQUILO QUE QUISERMOS QUE ELA SEJA

A VIDA É AQUILO QUE QUISERMOS QUE ELA SEJA

Pilar Casagrande

Eu que outrora a tinha como orquestra e sinfonia, hoje a tenho como vaso quebrado, porque se partiram as cordas da guitarra que eu tocava. Dominada pela solidão que me deixaste ao partires, aturdida aos outros problemas que outrora me perturbavam, cansada de chorar por ter de te ver partir.

Tudo se perdeu no tempo e atrás de mim só ficou a mágoa de olhar a porta e perceber que por ali partiste, um dia, sem capacidade de resposta. Só a memória e esse milagre de te recordar deixam que tu ainda vivas em mim, talvez para sempre, se eu não te esquecer.

A entrada agora está fechada. Ali entra a nostalgia de um passado presente, entra o sonho de um dia que se soma ao outro, e ainda cabisbaixa entra uma névoa daquela saudade de que são feitos os sonhos.

Há muito tempo vi ao teu lado uma fonte onde muitas ninfas mergulhavam, gritando que a vida era uma espécie de cristal, tão puro. Mas agora vejo que o pesadelo e a febre estavam por perto, viviam lado a lado comigo, porque finalmente quando acordei e percebi que a vida é aquele pó magoado, aquela água que corre rápida em busca do oceano que se perde de vista. Vejo a única recordação que ficou atrás daquela porta: a fotografia amarelada, mas onde o teu sorriso prevalece igual à sempre.

Ouço, sim ouço o barulho leve que a porta fez ao fechar-se. Eu não esqueço que aquele som significou o teu fecho, o fim de uma vida grande, com muitos altos e alguns baixos, mas que foi vivida com vontade de atingir um alvo seguro: o sol quente do nosso amor!

Cuspiste na minha vida, e fugiste da tua. Todavia, se não te assola qualquer recordação, esquece que algum dia nós vivemos lado a lado em busca da tua felicidade. Procure noutros braços aquilo que, afinal, eu nunca fui capaz de te ofertar.

Acredita que não fico triste! Poderei ficar estupefata, supostamente perguntando à vida o porquê, mas triste jamais, porque quem é crescido quer, para os seus amados, o melhor do mundo, e isso é uma conquista conhecida pelo nome singelo de felicidade!

Se esta feliz, eu estou contigo, e mesmo na ausência tens a presença da máxima que te deixo: que nunca passes pelo pesadelo que eu galguei, porque dói demais e faz uma ferida aguda!

Existem sentimentos, é impossível negá-los, pois seria negar-me à existência, como tentar omitir as próprias feridas com enormes esparadrapos por vergonha da perda, é inútil.

As palavras que foram ditas e as ações em vão esperadas seguem quebrando as esperanças, a estilhaçar o desejo da volta. Não dói profundamente como antes, não por frieza, mas por não valer mais a pena, por simplesmente ser melhor guardar as boas lembranças na memória e na caixinha sobre o guarda-roupa, mais simples educar o corpo a não reagir com as memórias que ele também guarda. E já que nem elas incitam a volta, há de se convir que nada mais incita a busca.

Assim, passei algum tempo resgatando minhas boas imagens. Fechei os olhos físicos e abri os olhos da alma. Revi cenas maravilhosas que estavam esperando que eu as chamasse para que elas pudessem me fazer ter muita alegria. Revi o olhar terno da pessoa que amo, as paisagens que tocaram meu coração e me fizeram ter vontade de chorar e rir ao mesmo tempo, o sorriso dado sem compromisso por aqueles que vi apenas uma vez, a cena do beijo suave que acariciou a minha alma, o olhar terno do ser amado...

Tudo veio a mim como crianças que chegam apressadas, cheias de novidades, loucas para serem vistas e ouvidas. Descobri que todas essas imagens foram guardadas em mim porque antes de ser vistas já faziam parte da minha alma.

Viver; continuar a viver. Respirar a paz que aquieta o peito por ter tentado até não haver mais uma única chance, até a possibilidade ter-se extinguido em mim. Não há mais lágrimas a serem derramadas senão as que inevitavelmente me surgem ao rir em excesso.

Talvez minha vida emocional seja como uma colcha de retalhos a esperar por um pano maior que me cubra por completo, sem sufocar-me por calor ou abandonar-me no frio. Sigo a arrastar minha colcha, sem o peso de uma âncora, a dobrá-la à noite, fazendo vezes de travesseiro. Se o coração nunca foi e nem será muito sensato, que pelo menos a razão tenha onde descansar.

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