segunda-feira, 2 de novembro de 2009

"NO PRINCÍPIO ERA A PALAVRA"

"NO PRINCÍPIO ERA A PALAVRA"

Pilar Casagrande

É o título de uma pintura representando Adolf Hitler falando a um grupo de compatriotas seguidores de suas idéias. Com uma expressão arrogante ele aparece convocando os seus companheiros com palavras inflamadas de ódio. Foi assim que ele plantou e fez germinar uma terrível guerra mundial. Tudo isso começou com "pequenas palavras" de um louco. As palavras são como cupins, pequenas, mas capazes de provocar grandes danos. Por isso, devemos escolher as nossas com muito cuidado.

Todos os que estão voltados para a política econômica, para o último tiroteio na favela, também já estão falando de economia poética. Ao mesmo tempo em que, de um lado, parece haver um desprestígio editorial e mercadológico dos poetas, por outro lado, quase todo mês recebo convites de lançamentos de novos livros de poesias, contos e crônicas. Muitas pequenas editoras sobrevivem, praticamente só da publicação destes livros de novos poetas. Dizem que quadruplicou o número de cursos de criação literária nos Estados Unidos. Hoje são muitas as universidades que tem milhares de estudantes nessa área, a metade dedicada à poesia. Há mais festivais de poesia, hoje nos Estados Unidos.

Vejam que coincidência. E quando as coincidências começam a coincidir muitas deixam de ser simples coincidências para serem sintomas. Isto tanto com os tiroteios quanto com a poesia, que nesses dias, eu lhes garanto, está viva e muito bem.

Se os poetas não devem ser levados a sério, por que estão preocupados com a poesia? E se a poesia é dispensável, porque há milhares de anos milhões de pessoas a praticam, e agora ela chegou airosamente também à Internet?

Alguns de vocês já ouviram falar de Soares Feitosa que alheio às convenções dos grupos literários, colocou na Internet não só a poesia de poetas vivos, mas todos Camões, Augusto dos Anjos e outros tantos, e fez sozinho o que entidades governamentais e universidades não fazem.

Há uma verdadeira invasão da Internet por parte dos poetas. Estão eles passando por cima das editoras e livrarias, unindo o que há de mais primitivo e tribal ao que há de mais avançado tecnologicamente.

João Cabral, nos anos 40, já dizia que os poetas deveriam utilizar a tecnologia da época: o rádio. Infelizmente ele não a utilizou. Depois veio a televisão. Hoje o CD e a Internet são dois instrumentos que caíram nas mãos dos poetas. Acabo de receber um CD de uma antologia de poetas de Amparo. O CD é muito prático: Você pode copiar para dar de presente, colocar nos textos da Internet, ou até vender. Tendo a matriz do disco, é só tirar quantas cópias quiser, por um custo reduzido. Eu mesma ganhei a edição de um livro de poesia, AS PIRAÇÕES (www.pilarcasagrande.ebooknet.com.br), que está na Internet e pode ser lido, copiado e gravado em CD, sem pagar nada.

A poesia, afirma a UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura) encontra-se "em todos os tempos e todos os lugares, prova da sua universalidade e natureza transcendental". Na sua mensagem alusiva ao dia da poesia, o diretor geral da UNESCO, Koichiro Matsura, salientou a importância "da emergência livre da palavra" considerando a poesia se articula "com a nossa vontade de responder às contradições do nosso tempo". A poesia é considerada pela UNESCO como a base de todas as formas de expressão literária e artística. Entretanto os tiroteios na favela continuam e as pessoas não podem nem sair na rua, ficam em casa com a alma agachada e humilhada.

Num mundo cada vez aterrorizado pela caretice e pelo terrorismo, cada vez mais saturado de informações, onde fato se mistura à ficção, impactado por tanta violência, miséria, mesquinharia, e que assiste à banalização da sensibilidade, uma pequena frase, muitas vezes, resume uma vida, resume uma reflexão muito grande. E quando começarem a dizer que as coisas vão de mal a pior, façam de conta que não ouviram. E, ao invés de ficar lamentando o que está ainda mal ajudem a melhorar. É isso que o Brasil precisa: coesão, que um dê a mão ao outro.

A poesia deve dizer não à vulgaridade da linguagem, ao mercantilismo, ao pensamento rasteiro. É um trabalho de Sísifo, mas os poetas precisam encarar que a poesia é uma vocação difícil.

Acho que com frases bonitas, deixamos marcados não só a nossa inteligência, a nossa memória, mas o nosso coração, a nossa sensibilidade.

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