sábado, 14 de novembro de 2009

HAVERÁ SEMPRE OUTRO MINUTO

HAVERÁ SEMPRE OUTRO MINUTO

Pilar Casagrande

Sim, haverá sempre outro minuto enquanto vivermos; mas o que passou nunca mais voltará... Corre-se o tempo todo atrás de uma nova vitória, e não resta tempo para saborear as anteriores. As pessoas estão preocupadas o tempo todo em se tornarem melhores do que as outras para garantirem seus lugares no mercado de trabalho, e não resta tempo para se ocuparem em ser melhores do que elas mesmas eram antes, e em ser, fundamentalmente, boas. Afinal, cada oportunidade é única. É imprescindível que tentemos fazer o melhor possível com o tempo e as possibilidades de que dispomos. Entretanto, temos também a necessidade de não correr simplesmente, sem saber para onde; mas sim de buscar rumos corretos, nos aspectos intelectual, psicológico, moral e físico.

Saudade é substantivo abstrato, tão abstrato que só existe na língua portuguesa. Os outros idiomas têm dificuldade em traduzi-la ou atribuir-lhe um significado preciso: Te extraño (castelhano), J'ai regret (francês) e Ich vermisse dish (alemão). No idioma inglês encontramos várias tentativas: homesickness (equivalente a saudade de casa ou do país),

longing e to miss (sentir falta de uma pessoa), e nostalgia (nostalgia do passado, da infância). Mas todas essas expressões estrangeiras não definem o que sentimos. São apenas tentativas de determinar esse sentimento que nós mesmos não sabemos exatamente o que é. Não é só um obstáculo ou uma incompatibilidade da linguagem, mas é principalmente uma característica cultural daqueles que falam a língua portuguesa.

Saudade não tem cor, mas pode ter cheiro. Não podemos ver nem tocar, mas sabemos o quanto é grande. Pode ser o sentimento que alimenta um relacionamento amoroso ou apenas o que sobra dele. Pode ser uma ausência suave ou um tipo de solidão. Pode ser uma recordação daquele momento e daquela pessoa, que um dia, mesmo sabendo ser impossível, ousamos querer reviver e rever. É a dor de quem encontrou e nunca mais encontrará, de quem sentiu e nunca mais voltará a sentir.

A saudade se combina com outros sentimentos e procria-se. A soma da saudade com a solidão é igual a dor. A soma da saudade com a esperança é igual à motivação.

Saudade é uma só, em diferentes palavras. É comum encontrá-la grafada nas lápides em alusão a dor da ausência provocada pela morte. Mas na Literatura e na Música é um tema crônico. É quem arquiteta a estrofe e conduz o tom. Não importa o gênero literário ou o estilo musical, não importa o autor, a época ou a situação.

Casimiro de Abreu versificou sua saudade da infância: "Oh! Que saudades que eu tenho / Da aurora da minha vida / Da minha infância querida / Que os anos não trazem mais!".

Álvares de Azevedo antecipou a saudade mortal: "Se eu morresse amanhã, viria ao menos / Fechar meus olhos minha triste irmã / Minha mãe de saudades morreria / Se eu morresse amanhã!".

A poetisa portuguesa, Florbela Espanca, também registrou sua saudade: "E a esta hora tudo em mim revive / Saudades de saudades que não tenho... / Sonhos que são os sonhos dos que eu tive...".

O Rock brasileiro transformou a saudade numa de suas bandeiras. Renato Russo cantou: "nessa saudade que eu sinto / De tudo que eu ainda não vi". Ainda nas canções de Renato: "dos nossos planos é que tenho mais saudade".

Entre o Rock e a MPB, Cazuza, declarou: "Saudade do que nunca vai voltar / E dos amigos que se foram / Eu hoje estou com saudade".

Tom Jobim e Vinícius de Moraes compuseram: "Chega de saudade / A realidade é que sem ela não há paz...".

Saudade é um registro fiel do passado. É a prova incontestável de tudo que vivemos e ficou impresso na alma.

Ao confessarmos uma saudade, na verdade, estamos nos vangloriando de que, ao menos uma vez na vida, conhecemos pessoas e vivemos situações que foram boas, e serão eternas em nossa alma. Nutri-la, é alimentar o espírito e a própria existência.

Se há tantas e, ao mesmo tempo, tão imprecisas definições de saudade, resta-nos apenas cultivá-la e alimentá-la com pensamentos, músicas, perfumes, fotografias, lugares, fins de tarde e madrugadas. Saibamos viver plenamente o presente, pois ele será a saudosa lembrança de amanhã.

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